Mais de mil vitórias, cem títulos e muitos amigos colorem duas pratas olímpicas e algumas dores na trajetória da mítica dupla
Shelda e Adriana Behar comemoram a vitória na semifinal em Atenas 2004 (©Getty Images/Sean Garnsworthy)
Não há competição sem igualdade de oportunidade. Não há relacionamento sem renúncia. Sem a base, não há o topo. Não há vitória sem cabeça, nem derrota sem coração. Não há mal que nunca se acabe, nem festa que dure a vida inteira. Para Adriana Behar e Shelda, no esporte, como na vida, a felicidade está no caminho. Os altos e baixos são vias de duas mãos.
Foram 12 anos de parceria no Voleibol de Praia e duas finais olímpicas. Seis vezes campeãs do Circuito Mundial, duas do Campeonato Mundial, nove do Circuito Brasileiro, contam, ao todo, 1101 vitórias e 114 títulos. Na memória, porém, não guardam números. Esporte, para elas, tem outro significado.
“Tem uma palavra que traduz muito o esporte: fairplay. O esporte, de um modo geral, é muito limpo, muito honesto. Por isso, a imagem do atleta é tão forte. Você ganha pelo seu próprio esforço, ganha ali, não tem jeitinho. É um ajudando o outro, porque o que vale ali na hora é a competição. É bacana ganhar de alguém que está nas mesmas condições que você. No início do Voleibol de Praia, sem estrutura, sem dinheiro, a gente recebia nossas adversárias em casa. Holly McPeak foi uma que ficou muito lá em casa. As meninas que ganharam da gente em Sydney 2000, Cook e Kerri Pottharst, ficaram lá em casa uns 15, 20 dias, quatro anos antes. Depois, minha mãe até brincava: ‘Poxa, será que nós ajudamos muito elas?’ (risos)”, conta Adriana Behar. “Minhas melhores amigas eram minhas adversárias”, completa Shelda.
Técnica e esforço dobrados
Pioneira no esporte, Adriana Behar participou do Circuito Mundial feminino desde sua primeira edição, disputada em 1992. A parceria com Shelda, entretanto, começaria em outubro de 1995. Quatro anos mais velha, 15 centímetros mais alta, as diferenças para a amiga não paravam por aí. “Sempre tivemos personalidades diferentes, mas complementares. Sempre com muita admiração e respeito. E claro, como em qualquer relação, é preciso saber abrir mão”, diz.
Mais arisca e com impressionante habilidade do alto de seus 1,65m, Shelda contava com os bloqueios e ataques a 2,40m da companheira na rede, contra adversárias de portes físicos a cada dia mais avantajados. O esforço físico constante dentro e fora da quadra cobrou seu preço.
“Nada é impossível, mas fica cada vez mais difícil competir dentro da realidade de todos os esportes hoje, que é ser mais e mais físicos. Você vê até na Natação, no Tênis, atletas enormes, fortes. No Voleibol de Praia, também foi assim. Você tem que treinar mais do que todo mundo, se esforçar mais. As lesões acabam vindo por conta disso, sempre indo no extremo, no limite”, conta Shelda, que se retirou das quadras em 2010, dois anos depois da parceira, após diversos problemas musculares e nas articulações.
Dores e desafios
Primeira dupla a montar uma equipe de profissionais especializados, entre eles técnico, fisioterapeuta, médico, nutrólogo, e levá-los nas viagens para competições, Adriana Behar e Shelda dominaram o esporte em uma época de inflexão, após a inclusão no programa olímpico em Atlanta 1996. “Sem esta base, não chegaríamos ao topo. Tudo que ganhávamos de prêmio, investíamos na nossa equipe, no nosso trabalho”, lembra Shelda.
Favoritas absolutas para os Jogos Olímpicos de Sydney 2000, após quatro anos como a melhor dupla do mundo, perderam a final para as australianas Cook/Pottharst em uma das maiores zebras dos Jogos. Eram 20 títulos àquela altura contra apenas um das adversárias. No confronto direto, 14 vitórias e duas derrotas. No primeiro set, ganhando por 11 a 8, viram a vitória escapar por 12 a 11. No segundo, 12 a 10 e a maior dor de suas trajetórias.
“Tínhamos duas opções. Parar por ali, desistir, largar tudo, ou se unir ainda mais, reconhecer os erros, tomar nossas decisões e encarar dali para frente. Foi a hora que nos unimos ainda mais, porque só nós sabíamos a dor que sentimos (se emociona). Só nós sabíamos a tristeza. Não houve nenhum momento de acusações, muito pelo contrário. Cada uma culpou a si mesma, assumiu a responsabilidade, não transferiu. Isso fez com que crescêssemos. A partir daí, entramos em um novo ciclo olímpico, mesmo sabendo que não seríamos mais as favoritas, que a idade ia chegando. Gente nova vai aparecendo. Cada uma foi cuidando da sua dor, da sua forma e, no dia-a-dia, foi demonstrando para a outra que queríamos continuar lutando”, recorda Adriana.
Fim e recomeço
Em Atenas 2004, a final contra Kerri Walsh e Misty May teve outro sabor. Nem tão favoritas, o ouro olímpico escapou, mas as lágrimas foram substituídas pelo sorriso. A dupla americana divide com Adriana Behar e Shelda as opiniões sobre qual o melhor time da história.
“Mesmo como adversárias, sempre tivemos com elas uma relação de amizade e respeito mútuo. São bicampeãs olímpicas e não foram mais vezes campeãs do circuito mundial porque optaram por jogar o circuito americano. O calendário coincide. Mas se você pegar o aproveitamento de competições disputadas e vencidas, é um desempenho extraordinário”, diz Adriana. “Uma vez, a Misty se referiu a nós como ‘minhas mentoras’. Para mim, isso é um grande orgulho”.
Aposentada das quadras há três anos, Adriana trabalha hoje no Comitê Olímpico Brasileiro. Foi chefe de missão da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos da Juventude Cingapura 2010 e prepara-se para novos desafios rumo a Londres 2012 e Rio 2016, agora na área administrativa. Shelda desenvolve um projeto de Voleibol sentado de praia, para deficientes, modalidade que dá os primeiros passos no Brasil. Dedicam seu tempo a criar oportunidades e passar seu conhecimento. No esporte, como na vida, os altos e baixos ensinam. Diferenças complementam. Vitórias e derrotas são vias de duas mãos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário